A onda de restringir o consumo de glúten de certos cereais
ou até excluí-la do cardápio para emagrecer e ser mais saudável gera polêmica
entre os especialistas
Mais de 1,5 milhão de americanos aderiram à dieta sem
glúten, segundo estudo da renomada Clínica Mayo. Detalhe: apenas 20% fizeram
isso por indicação médica, para tratar doenças. A maioria mudou seus hábitos
como estratégia para ter mais energia e bem-estar. Ocorre que, sob a acusação
de inimigo do intestino, o glúten andou caindo em desgraça nos últimos anos - e
os produtos que exibem na embalagem o aviso de que são livres dele adquiriram o
status de comida mais saudável. Essa onda chegou ao Brasil, onde se popularizou
não só pela alegação de que melhora a saúde como pela crença de que emagrece.
Mas será que a iniciativa traz mesmo benefício para qualquer pessoa?
"Não há comprovação científica de que o glúten faz mal
para todo mundo nem de que sua retirada do cardápio traga os ganhos
prometidos", responde o nutricionista Thiago Sacchetto, mestre em ciências
da saúde e conselheiro efetivo do Conselho Regional de Nutrição 3ª Região,
responsável pelos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Diante do modismo,
a entidade emitiu no ano passado um parecer contrário à restrição
indiscriminada da proteína, encontrada no trigo, na cevada, no centeio, no
malte, em vários tipos de aveia e nos alimentos derivados desses cereais -
massas, pães, biscoitos, bolos, tortas, pizza, cerveja, uísque - e adicionada
pela indústria a molhos, temperos, embutidos, barras, medicamentos e batons
(para deixá-los mais viscosos). O documento aconselha a eliminação do glúten
somente se houver diagnóstico de enfermidades decorrentes do consumo. É o caso
da alergia ao trigo, que surge na infância e pode regredir na idade adulta.
Quem tem responde às proteínas contidas em cereais (o glúten é uma delas) com
erupções na pele, desconforto intestinal, espirros e até choque anafilático.
Outra condição é a doença celíaca, em que as células
imunológicas reagem ao glúten causando uma inflamação que danifica a mucosa
intestinal. "Os sintomas são inchaço no abdome, diarreia volumosa e
dificuldade para absorver os nutrientes dos alimentos, o que pode levar à
desnutrição grave", informa a imunologista Ana Paula Moschione Castro,
diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. E os celíacos
têm maior risco de osteoporose, anemia, alterações no peso, fadiga, dores musculares,
problemas articulares, erupções na pele, distúrbios neurológicos e
infertilidade. Um exame de sangue identifica a doença, mas, como nem sempre os
sintomas são intensos, a pessoa pode demorar anos para ir ao médico. "A
cada cinco ou seis doentes, só um tem o quadro detectado", estima o
gastroenterologista Joseph Murray, coautor do estudo da Clínica Mayo. Para o
celíaco, riscar o glúten evita todas essas complicações.
Há, ainda, a sensibilidade (ou intolerância) ao glúten,
quadro pouco reconhecido e tratado, que pode ser seis vezes mais frequente do
que se imagina. "A intolerância ao glúten ainda é um capítulo
nebuloso", diz Ana Paula. "Pode haver inchaço abdominal, gases,
crises inexplicáveis de diarreia ou má digestão e sensação de que o intestino
não funciona bem." O paciente, apesar de o teste para a doença celíaca dar
resultado negativo, relata alívio de sintomas após reduzir o consumo de glúten.
E as melhoras aí não são só digestivas mas respiratórias (rinite e sinusite),
articulares (dores crônicas), de memória e outras funções cognitivas. Então,
embora não seja unânime, a dieta pode ser indicada nesses casos. Segundo a
farmacêutica e nutricionista funcional Lucyanna Kalluf, do Instituto de
Prevenção Personalizada, em São Paulo, o estilo de vida atual, com exposição a
agrotóxicos, contato frequente com antibióticos e consumo excessivo de comida
industrializada, aumenta os riscos de se tornar intolerante, mas ela acredita
que restringir o glúten evitaria problemas futuros (ideia que não é consenso
entre os especialistas!). "A dieta desinflama, reduz o inchaço, favorece a
digestão e acelera o metabolismo. E emagrecer é consequência."
Fonte: Revista Claudia
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